A posse de armas

A posse de armas

Nova regulamentação não representa solução para os problemas da segurança pública e o combate à criminalidade

Editorial, Estadão

O Decreto 9.685/2019, que alterou a regulamentação relativa à posse de armas de fogo, corrigiu algumas falhas notadas no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). Se o presidente Jair Bolsonaro cumpriu, por meio do decreto, uma de suas promessas de campanha, é de ressaltar que a nova regulamentação não representa nenhuma solução para os problemas da segurança pública e para o combate à criminalidade, que são também promessas da campanha eleitoral.

Para adquirir uma arma de fogo, o Estatuto do Desarmamento exige, entre outros requisitos, que o interessado declare a efetiva necessidade da posse da arma. A regulamentação vigente até agora previa que essa declaração deveria “explicitar os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pela Polícia Federal segundo as orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça”, como determinava o decreto 6.715/2008.

A nova regulamentação aproxima-se dos termos da Lei 10.826/2003, reafirmando o caráter de declaração do interessado. “Presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade (…), a qual será examinada pela Polícia Federal nos termos deste artigo”, prevê o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Além disso, o Decreto 9.685/2019 trouxe critérios objetivos para a análise da efetiva necessidade da aquisição da arma de fogo. Entre as hipóteses elencadas pela regulamentação, encontra-se a situação dos que vivem em área rural e “em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018”. O fato de todos os Estados brasileiros terem índices de homicídio mais elevados não desautoriza a nova regulamentação. O que tal circunstância evidencia é a necessidade de um efetivo combate à criminalidade.

O principal é que o Decreto 9.685/2019 não liberou a posse de armas. Para a posse continuam vigentes vários requisitos, como, por exemplo, ter pelo menos 25 anos e não responder a inquérito policial ou processo criminal. O decreto presidencial ainda incluiu a necessidade de declaração de que a residência tem cofre ou local seguro com tranca para armazenamento “na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental”.

A nova regulamentação também reafirmou a necessidade da “comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo”, tal como previsto na Lei 10.826/2003. Sobre esse tópico, de extrema relevância, o Decreto 9.685/2019 não introduziu mudanças.

Uma mudança relevante trazida pela nova regulamentação são os novos prazos de registro da arma de fogo. Antes, os prazos de validade eram de 5 anos no Sistema Nacional de Controle de Armas (Sinarm), gerido pela Polícia Federal, e 3 anos no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), gerido pelo Exército. Agora, todos os prazos são de 10 anos. Os registros que estão válidos hoje vigorarão por mais 10 anos.

O Decreto 9.685/2019 permite a posse de até quatro armas por pessoa, com a possibilidade de aumentar esse número, desde que comprovada a necessidade específica.

Na mesma medida em que a nova regulamentação desburocratiza a posse de armas, ela exige do poder público mais responsabilidade no exercício de seu dever de controle. Basta pensar que a autorização dada agora valerá pelo dobro de tempo.

O decreto trata apenas da posse de armas de fogo. A flexibilização do porte, que é também uma das promessas de Jair Bolsonaro e tem consequências mais diretas sobre a segurança pública, exige aprovação do Congresso Nacional. Não é tema para se enfrentar de afogadilho.

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